Minha parte preferida são sempre os
livros. Têm aquele cheirinho de antigo, como se fossem tesouros perdidos há séculos, vêm acompanhados de camadas e mais camadas de poeira, mas a essência continua lá, pedindo para ser libertada.
Minha primeira escolha foi separar a coleção completa de todos os títulos de Agatha Christie. Já li alguns, mas faço questão de reler. Meus avós que não os esperem de volta
tão cedo.
Entre tantos outros exemplares me chamou a atenção o “Cartas” de
Graciliano Ramos. A edição é de 1980 e foi publicada vinte anos após a morte de um dos gênios da nossa literatura. A iniciativa de sua viúva, Heloísa Ramos, foi trazer a público correspondências pessoais de Graciliano Ramos em diversos momentos de sua vida. As que mais me emocionaram foram as cartas de amor do casal. Cito aqui um dos meus parágrafos favoritos:
“E tu, meu amor, que fizeste? Sabes lá quem eu sou, donde venho, para onde vou, que tenho feito neste mundo em trinta e cinco anos duramente arrastados? Nada conheces de mim. Esperanças desaparecidas, deslumbramentos rápidos, decepções, indiferença, comiseração desalentada para com os outros – ignoras tudo. Sou um animal muito complicado, meu anjo. Porque vieste para mim? Foi a loucura que te trouxe”
(Palmeira dos Índios, 24 de janeiro de 1928)
É inacreditável, mas Graciliano era muito melancólico. Mostrava muita insatisfação, decepção consigo mesmo, constantemente se desmerecia e não se considerava digno de nenhum reconhecimento. Lembrei que era a segunda vez que notava essa característica em escritores que eu tanto admiro. A primeira foi
Clarice Lispector quando li seu livro “Entrevistas” aonde foram publicadas diversas entrevistas feitas ao decorrer de sua vida e no auge de sua fama.
A leitura se assemelha a um diálogo entre amigos, jogando conversa fora sem pressa e deixando fluir naturalmente. É aí que aparece uma Clarice insegura, descontente com o rumo de sua vida, desiludida com o amor e dona de palavras sombrias.
Comecei a pensar que a genialidade sempre cobra um
preço. Uma mente brilhante não pode trabalhar da mesma maneira que as mentes comuns, ela vai sempre além. Acaba até se perdendo nesse caminho para a glória. Conclui ser muito triste termos hoje lindas obras literárias, mas a um
custo humano que foi tão grande.